
Quando dizemos que uma pessoa não tem humor, o que queremos dizer é: “Essa pessoa não tem o meu humor, o humor dela não afina com o meu”. Do que você ri, eis a chave de tudo. “Dize-me do que gargalhas e te direi quem és”, ensinou Alexandre de Samotrácia.
O riso é um mecanismo de seleção. Une as pessoas, mas também as separa. Quanto menos física se torna a comédia, quanto mais se afasta do pastelão e da careta na direção do outro extremo do arco, o espírito puro, o wit, a ironia fina, mais gente exclui do seu campo. Passa a depender pesadamente da linguagem e exige um grau de domínio de meios de expressão e referências culturais – e até uma certa predisposição ideológica para captar “a mensagem” – que costumam vir associados a uma boa formação educacional.
Se no Brasil a área de exclusão é maior do que a média internacional, a boa ironia é elitista em qualquer língua. Claro que a chalaça é banda larga: num extremo fica o policial que diz “Bonito, hein?” para o batedor de carteira que prendeu em flagrante; no outro, O alienista de Machado de Assis. Esopo, aquele das fábulas, deixa claro de que lado do espectro está quando condena a ironia grossa: “Zoação pesada não é brincadeira”.
Ser sutil pode ser necessário aos espirituosos, mas é também um perigo. Multidões não pescam ironia. Não pescaram nem quando Luis Fernando Verissimo, lulista emérito, se fez de indignado por ver desperdiçarem um precioso Romanée-Conti no paladar de um reles operário. Turbas de petistas queriam esganar o pacato escritor. E o problema maior nem é esse. Ao se defender, alegando que quis dizer o contrário do que disse, que a isso chamam ironia e tal, o irônico irrita ainda mais quem já estava furioso com ele. Agora o sujeito se sente escalado no papel de palhaço: a piada que uma pessoa descobre não ter entendido sempre lhe parece feita também às suas custas.
Talvez seja por envolver tanta complicação que o humor tem um status cultural ambíguo. Para encerrar com o mesmo livro de citações (de Ehrlich e De Bruhl) que venho pilhando desde o início da crônica: “O mundo gosta de humor, mas o trata com condescendência. Condecora os artistas sérios com louros e os espirituosos com couves-de-bruxelas”, diz E.B. White. Couves-de-bruxelas que são, claro, humor da melhor qualidade.
http://veja.abril.com.br/blog/sobre-palavras/cronica/a-ironia-e-elitista/
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